Carta aberta de saída da Caminhada Lesbi

Neste ano de 2023 realiza-se a 21ª Caminhada de Mulheres Lésbicas e Bissexuais, como parte de um dos eventos que compõem a Semana do Orgulho LGBT de São Paulo. A Caminhada é uma das mais importantes manifestações da cidade em relação à população LGBT de São Paulo, pois surge com o propósito de politizar o movimento de mulheres lésbicas e bissexuais, que não se sentia contemplado com a festividade a-política da Parada LGBT e seu caráter privado – historicamente, a Caminhada não aceita patrocínios de empresas para ter uma autonomia política, por exemplo. O Coletivo LGBT Comunista constrói esse espaço desde 2015, sempre ao lado de outras forças e militantes, organizadas ou independentes, a fim de colocar no centro do debate as opressões sofridas pelas mulheres lésbicas e bissexuais, trans e cis. Entendemos que a Caminhada sempre foi um espaço importante de existir e ser construído, para expor questões sociais e políticas que dissessem respeito a todas as mulheres, de modo que desde o início de nossa atuação lá, pautamos a necessidade de ser um espaço radicalmente inclusivo.

Todavia, a organização da Caminhada tomou rumos difíceis este ano, para além dos problemas sistemáticos que compuseram a organização do ato ao longo de todos esses anos. As reuniões deste ano aconteceram virtualmente e a organização se burocratizou a tal ponto que deliberadamente se escolheu dar preferência às discussões internas em detrimento das pautas políticas do evento. Além disso, esses diversos tensionamentos tornaram o espaço organizativo hostil a algumas mulheres que participavam dessa construção. O protocolo da organização da Caminhada passou a ser uma suposta “autoridade” individual e autoproclamada de algumas pessoas que estão naquela construção há mais tempo, que deslegitimaram pessoas que participavam pela primeira vez desse processo organizativo – inclusive as militantes que representavam o Coletivo LGBT Comunista (participamos dessa construção há oito anos, embora nem sempre com as mesmas militantes). Essas militantes e algumas outras mulheres que compunham a organização propuseram meios de estruturar as reuniões para que as decisões fossem melhor debatidas e mais propositivas para além de rixas e disputas políticas dentro da organização. Entretanto, devido à recorrente falta de respeito entre boa parte das pessoas presentes no espaço organizativo, houve silenciamentos contra aquelas que propunham outros rumos de organização para a Caminhada. A falta de respeito se tornou uma regra.

Se sempre pautamos a necessidade de uma Caminhada Lesbi que contemplasse as demandas da população trans, da população racializada e inclusive as demandas de mulheres bissexuais, o próprio espaço organizativo reiteradamente se mostrou violento para essas pessoas.  Devido a esta dificuldade de construção política – que tentamos resolver até maio desse ano –, a falta de perspectiva para mudanças nos fez decidir que o Coletivo LGBT Comunista se retirasse da construção desse espaço e não participasse do evento nesse ano, além de vir a público expor as razões da nossa decisão, na expectativa de que possamos, em outro momento, retornar e somar esforços nesse importante espaço. 

Durante todo esse difícil processo, foi percebido que mesmo com a importância histórica e política da Caminhada, a população de mulheres lésbicas e bissexuais não tem participado dessa construção de maneira massiva. E devido a todo o desgaste gerado, houve um grupo de mulheres que hegemonizou o espaço e não respeitou quaisquer tipos de propostas que não fossem dadas por elas. Essa situação resultou em muitos afastamentos no decorrer das reuniões por exaustão emocional e mental de pessoas que estavam empenhadas na construção visando o êxito desse espaço de luta da população LBT. As decisões para o formato do ato foram tomadas de maneira autocrática sem qualquer alternativa para a construção de movimentos que fossem mais inclusivos com mulheres trans e negras, por exemplo.

A Caminhada Lesbi tem uma importância histórica para a organização de mulheres lésbicas e bissexuais, cis e trans, setores que compreendemos serem, na sociedade de classes, alvo de violências de várias ordens. Nesse sentido, não é nosso objetivo esvaziar ou boicotar a Caminhada Lesbi, mas justamente apresentar a necessidade da superação desses vícios que são tanto de uma compreensão teórica equivocada quanto de uma prática burocratizada e enrijecida, que não permite a própria superação dos limites expostos – para além da fraseologia inclusiva nas redes sociais, quando isso não se converte em força material para a construção do espaço. Diante de tudo o que está colocado nesta carta, é fundamental que haja uma organização coletiva para defender esse legado e construir um espaço que busque a participação massiva de mulheres lésbicas e bissexuais, trans e cis. A Caminhada Lesbi não deve ser um ato político que reforce as violências cotidianas, mas sim ser um espaço de denúncia e de ação concreta para a construção de novos horizontes de libertação de papéis de gênero e outras formas de assujeitamento das mulheres trabalhadoras no capitalismo.

O Coletivo LGBT Comunista não poderia se retirar da organização da 21ª Caminhada Lesbi sem expor os motivos para essa decisão, a fim de fazer avançar a organização das mulheres lésbicas e bissexuais, sejam elas cis ou trans. Mas para além disso, é necessário pensar em alternativas para retomar e reconstruir esse espaço como um lugar em que essas mulheres  sejam verdadeiramente acolhidas e ouvidas para que possam organizar um espaço combativo, contra a hegemonia empresarial e em defesa das pautas concretas dessa população.

Coletivo LGBT Comunista – SP

Deixe um comentário