Movimento LGBT: da luta antissistêmica à institucionalidade

Coletivo LGBT Comunista – SP

O primeiro movimento organizado em defesa dos direitos LGBTs no Brasil surgiu em São Paulo no final dos anos de 1970 com o SOMOS: Grupo de Afirmação Homossexual. Ele emergiu durante a ditadura empresarial-militar, em um momento marcado pela censura, pela violência e pelos “guetos”, locais de sociabilidade para gays e lésbicas. Por conta da conjuntura, o movimento tinha como pautas principais a luta contra a ditadura e o questionamento das normas sexuais pré-estabelecidas, como a família monogâmica e o heterossexismo. Uma das características da primeira onda do movimento homossexual no Brasil foi a sua organização a partir do horizontalismo – numa orientação tardia de Maio de 68 – como uma forma organizativa que começava a orientar a ação de movimentos sociais em meados dos anos 1980. Nesse contexto de violência, o movimento tinha uma orientação antissistêmica, mas isenta de um projeto verdadeiramente revolucionário.


Nos anos iniciais da década de 1980, ocorreram diversas mudanças na conjuntura devido ao processo de redemocratização; a mobilização política e social se espalhava em todas as esferas da vida. Em 1982 o HIV/AIDS chegou ao Brasil e o novo foco dos grupos que buscavam direitos homossexuais se tornou a busca por políticas de saúde pública. Todavia, o Governo Federal não deu uma resposta à altura em relação à epidemia, e isso gerou uma realidade onde as políticas de saúde foram tuteladas por ONGs, notadamente o Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS (GAPA).


Os movimentos homossexual e feminista realizaram diversas reuniões e mobilizações para pressionar o poder público em busca de uma política de saúde efetiva contra a epidemia. A partir desse movimento, um outro se tornou realidade na rotina dos movimentos pró-LGBT: a atuação negociada com parlamentares e empresas privadas. Como se vê, a epidemia de HIV/AIDS marcou uma reorganização do movimento LGBT brasileiro: em um primeiro momento, a luta contra a ditadura era o ponto de dedicação dos militantes; no entanto, a partir da redemocratização, a atuação institucional se voltou principalmente para duas principais organizações, o Grupo Gay da Bahia (GGB) e o Triângulo Rosa, no Rio de Janeiro, que buscaram, em um entendimento direto com o Estado, as condições legais de proteção e políticas voltadas para a população LGBT.


A partir dessa nova realidade, o número de ONGs com esse tipo de ação aumentou consideravelmente. Muitas delas utilizaram a tática do “Advocacy” [1], muito presente durante governos petistas, e bastante divergente do que era o movimento na década de 1970: essas ONGs, justamente por causa de sua proximidade e dependência do Estado, acabaram se tornando grupos com pouco ou quase inexistente caráter crítico e acabaram abandonando uma oposição política mais contundente às leis que não combatiam, a fundo, os problemas enfrentados pela população LGBT. Ademais, dada essa atuação institucional, muitas ONGs acabaram tomando para si uma lógica hegemonicamente empresarial.


Um indício muito claro de institucionalização e afastamento do trabalho de base dos movimentos LGBT é a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Nos últimos anos, por exemplo, o evento contou com o apoio do Estado de Israel e patrocínio de empresas como a Uber e o Burger King, conhecidas como espaços de exploração e precarização de funcionários. No entanto, mesmo com essa contradição clara, ainda são privilegiadas essas empresas em oposição aos movimentos e organismos da classe trabalhadora na hora da organização do evento, como foi o caso da edição de 2018, onde, segundo a CUT [2], foi imposta dificuldades com a cobrança de uma taxa abusiva, que fez a entidade desistir da participação da Parada LGBT de São Paulo, possibilitando que as pautas levadas a cabo fossem hegemonizadas pelos interesses das empresas já citadas. A institucionalidade tirou, ao fim e ao cabo, o espírito de quando surgiram as paradas ao redor do mundo: de orgulho, resistência e existência. Assim, o que pode se tornar banner de propaganda ou mesmo tema de carro elétrico é aquilo que pode ser garantido pelo Estado burguês dominado e negociado pelas grandes empresas responsáveis pela perda de tantos direitos trabalhistas, onde a população LGBT está no front de exploração e precarização.

Esta nota foi publicada originalmente aqui, em 26 de março de 2021.

[1] Vídeo “Advocacy e a luta LGBT”, do @lgbtcomunistasp: https://www.instagram.com/tv/CMaBtMUn1H4/…
[2] “Parada LGBTde São Paulo dificulta participação da CUT em 2018: https://sp.cut.org.br/noticias/parada-lgbt-de-sao-paulo-dificulta-participacao-da-cut-em-2018-bfd9?fbclid=IwAR23ueSfhtzUUs2ABe0I94lCIQNzgoMrI7whpa_aCQd6owV4eM99zlgGId8

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