
Imagem: @dorian.arte
Em 16 de abril de 2025, o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou a Resolução nº 2.427. Essa resolução representa um grave retrocesso no acesso à saúde para jovens transgênero no Brasil, os privando de um valioso recurso: os bloqueadores hormonais e lançando ainda mais impeditivos para o início do tratamento hormonal para todes aquelus maiores de idade. A resolução desconsidera protocolos já estabelecidos e acompanhamentos multiprofissionais que garantiam um cuidado individualizado e responsável a essa população. A tentativa do CFM de justificar essa decisão através da apresentação de estudos revela-se falha, permeada por contradições internas e dados repetitivos, levantando sérias dúvidas sobre a real motivação por trás dessa medida. Ademais, a ausência de participação de organizações de apoio à população trans no processo decisório explicita a falta de diálogo e a desconsideração das pessoas trans diretamente afetadas.
A resolução do CFM não apenas agrava a já existente marginalização de pessoas trans e suas famílias, mas também descredibiliza o trabalho ético e responsável de equipes multiprofissionais e serviços de saúde que atuam com base em evidências científicas e protocolos reconhecidos mundialmente. A Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade (SBMFC), em nota, manifestou sua preocupação com essa desconsideração, que reforça um modelo de saúde centrado em especialidades isoladas, ignorando a competência da Atenção Primária à Saúde – muitas vezes a principal porta de entrada para o cuidado integral e longitudinal de pessoas trans.
Conselhos federais de outras categorias profissionais, como o de Enfermagem (COFEN) e o de Psicologia (CFP), também se posicionaram publicamente contra a medida do CFM, compreendendo o retrocesso que ela impõe ao atendimento da população trans. Suas manifestações ecoam a importância de uma abordagem multidisciplinar que envolva o serviço social, a nutrição e outras áreas do conhecimento na promoção da saúde integral dessa população. Embora a resolução mencione a importância do atendimento multidisciplinar, ela paradoxalmente restringe a decisão sobre terapias hormonais a especialidades médicas específicas, ignorando as valiosas perspectivas de outros profissionais de saúde.
Aqui, é importante diferenciar que o atendimento a crianças trans em idade pré-púbere e suas redes de apoio nunca preconizou a administração de hormônios, cirurgias ou de outras tecnologias que culminassem na alteração do funcionamento fisiológico. O atendimento desse público se concentrava (e ainda se concentra) no acompanhamento dos aspectos sociais e psicológicos do indivíduo e sua família, realizado por profissionais com capacitação para compreender as demandas da transgeneridade e dos temas que compõem seus desafios no mundo. A alegação de que a comunidade trans busca a medicalização precoce é uma estratégia falaciosa para justificar a supressão de direitos e fomentar o pânico moral, estigmatizando a população trans como uma ameaça social.
A realidade brasileira, marcada pela transfobia estrutural e pela negligência estatal, já impõe inúmeros obstáculos ao acesso à saúde para pessoas trans. A escassez de ambulatórios especializados e a falta de preparo da maioria dos profissionais de saúde expõem crianças e adolescentes trans a situações de vulnerabilidade extrema, como a expulsão de seus lares e a consequente busca por meios de sobrevivência precários. Nesse contexto, uma resolução proibitiva como a do CFM inevitavelmente intensificará a marginalização e impulsionará a busca por hormônios e procedimentos clandestinos, um mercado já existente e perigoso. A proibição do acesso a acompanhamento seguro e qualificado por equipes multiprofissionais não eliminará a busca por afirmação de gênero; ao contrário, a direcionará para práticas inseguras e potencialmente fatais.
Em suma, a Resolução nº 2.427 do CFM configura um ato flagrantemente transfóbico, cujas consequências diretas serão o aumento da marginalização de jovens trans, o incentivo ao uso indevido de hormônios e procedimentos clandestinos, e a desvalorização do conhecimento de diversas áreas da saúde essenciais para o cuidado integral dessa população. Urge a necessidade de revogação dessa medida, em prol da garantia dos direitos à saúde, à dignidade e à vida de jovens transgênero no Brasil.
Coletivo LGBT Comunista – Curitiba-PR
