Dia internacional de combate à LGBTfobia: um chamado à luta!

O dia 17 de Maio é conhecido como Dia internacional de combate à LGBTfobia.  Foi consolidada enquanto uma data vitoriosa para o Movimento LGBT a partir de um longo processo de luta em vários países (incluindo o Brasil) pela retirada da Homossexualidade do Cadastro Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1990.

No Brasil, uma conquista semelhante já havia sido obtida pelo movimento LGBT em 1985, através de uma intensa mobilização em torno da despatologização da homossexualidade, figurada enquanto um distúrbio psicológico no Código de Classificação de Doenças do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS).

De todo modo, ambas as medidas refletiram-se nos âmbitos simbólico e material, por funcionarem como prerrogativas para uma mobilização mais firme em torno do fim de algumas restrições legais e institucionais que possibilitavam aos órgãos de saúde a interdição pública de pessoas LGBTs e o confinamento destas em sanatórios por tempo indeterminado. Além disso, foi uma importante conquista em meio à pandemia internacional do HIV/AIDS, contexto onde observa-se o reforço da estigmatização social sobre LGBTs. 

Para além disso, em que medida podemos falar sobre uma real ruptura histórica na condição social da população LGBT brasileira? A princípio, aparentemente, tendemos a pensar que a condição de vida da classe trabalhadora em geral (e da população LGBT, em específico) foi bastante beneficiada desde o processo de redemocratização, em especial pelos governos petistas entre os anos 2000 e 2015. Contudo, em análise mais profunda, evidencia-se o caráter cada vez menos combativo dos movimentos sociais, sua íntima ligação ao aparato governamental, a presença hegemônica de uma ideologia de conciliação de classes e a consequente priorização dos interesses da classe dominante, ao passo que as demandas da classe trabalhadora podiam ser utilizadas a qualquer momento enquanto moeda de troca com a burguesia, desde que permitissem a manutenção da ordem institucional sob a direção do PT.

No tocante à pauta LGBT, percebe-se que, de fato, existe uma ruptura, mas não uma ruptura na condição social, e sim na estratégia utilizada por esse movimento, cooptada pela ideologia burguesa. Trata-se aqui da chamada Estratégia Democrático-Popular (daqui em diante referida como EDP). Essa estratégia, desenvolvida em 1990, num momento de colapso do socialismo, apresenta-se inicialmente como popular e antissistêmica, mas logo abandona o caráter revolucionário e a concepção de luta de classes para adotar uma perspectiva institucional, de conciliações, alianças e concessões com os setores da burguesia, em prol de um efetivo “Estado Democrático”. Com isso, abandona-se a dicotomia entre classe trabalhadora e classe burguesa, para se adotar uma perspectiva de identificação entre estas, onde “toda a sociedade civil pode construir” em torno das políticas públicas e sociais.

É expressiva essa estratégia na fundação da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos) em 1995, onde diversas organizações se reúnem para a criação da entidade, já com o propósito de aproximação das questões institucionais do Estado, enquanto uma instância capaz de conceder direitos e políticas públicas. A luta LGBT no Brasil, outrora caracterizada como contestadora, organizada e com significativa capilaridade – apesar de suas contradições, como o autonomismo, o personalismo, a rejeição aos partidos políticos e outras questões – acaba por derrocar em perspectivas conciliatórias, insuficientes para solucionar os problemas do todo da população LGBT e incapazes de compreender, a nível radical, as conexões e origens da opressão LGBT no modo de produção capitalista.

Nos anos 2000, a EDP e sua relação com o movimento LGBT alcançam o ápice. Com a vitória do PT e a cooptação das principais entidades dos movimentos de esquerda, no geral, o movimento LGBT, de forma hegemônica, aprofunda a centralidade de suas pautas em questões burocráticas da institucionalidade burguesa. Com isso, além da estratégia de eleição de figuras LGBT, a exemplo da chamada “representatividade”, ocorre também a criação dos Conselhos que, em tese, representam a “participação civil” nas decisões a respeito das questões LGBT, mas na materialidade, constituíram-se em meros espaços consultivos, com pouco papel deliberativo e de possibilidades de mudanças reais. Ainda, a classe trabalhadora, com as figuras LGBTs, é colocada em escanteio nas discussões de tais espaços, aumentando o já enorme abismo. Tal aposta na institucionalidade, com aparências de transformação e mudanças efetivas, acabaram por mostrar, mais tarde, suas limitações e seus fracassos. Na ânsia de manter o pacto de classes e agradar os setores religiosos, o movimento LGBT é descartado com um profundo golpe da mesma institucionalidade que adotou.
Seria ingenuidade falar de institucionalidade e Estado de uma forma abstrata aqui. Assim como seria ingenuidade culpar apenas o movimento ou determinadas figuras. É necessário inserir os erros táticos e retrocessos dentro desse quadro maior da correlação de forças, da estratégia adotada, sem negligenciar a importância de uma luta que também consiga pressionar a institucionalidade por políticas públicas e direitos específicos. Contudo, no plano histórico, todas as conquistas demonstraram-se meramente conjunturais, dissipando-se lentamente aos sinais das crises do capital internacional e da fascistização do governo, sem muita resistência da parcela hegemônica do movimento LGBT, isolado na institucionalidade e longe das massas.

Essa situação encontra-se ainda mais problemática no atual contexto da pandemia, sob o governo Bolsonaro-Mourão-Guedes. Ao contrário do discurso forjado por setores ditos moderados e liberais, não houve, por parte do Governo Federal – nas figuras de Bolsonaro, Mourão, Guedes e Pazuello, além de setores do agronegócio, bancários e comerciários – uma “incompetência”, pelo contrário. Está mais que evidenciado o projeto genocida em andamento contra a população trabalhadora, onde a vacinação avança lentamente, cumprindo exatamente o receituário do lucro acima da vida. Incontáveis foram os momentos de defesa do altar sagrado do comércio e da lucratividade, mesmo que para isso, fossem sacrificadas o maior número possível de vidas da classe trabalhadora.

No mais, o auxílio emergencial encontra-se cada vez mais reduzido e restrito a uma pequena parcela da classe trabalhadora e inexiste qualquer intencionalidade de políticas emergenciais por parte dos governos federal e estaduais (em geral), capazes de dar conta de atender às reais necessidades de nenhum segmento da população trabalhadora. Soma-se a isto o projeto já em andamento desde 2016, de avanço neoliberal, refletindo-se sob algumas facetas, dentre elas, cabendo citar a precarização dos serviços públicos, em especial educação e saúde, quando foi aprovada a Emenda Constitucional do Teto de Gastos (EC 95), responsável por congelar os investimentos públicos por 20 anos, e as reformas trabalhista e previdenciária, que representam o maior retrocesso dos últimos 80 anos em legislações trabalhistas no Brasil.

Na verdade, ainda que seja possível ver no governo Bolsonaro a personificação do neoliberalismo fascista, essa conjuntura já se coloca desde os novos desdobramentos da última crise do capital internacional, onde é expresso a sua atuação por meio de novos mecanismos, como o já citado avanço sobre as políticas e serviços sociais, a precarização das relações de trabalho e o famigerado rentismo – além do já conhecido imperialismo. Nesse cenário, não só as condições de trabalho da classe trabalhadora são gravemente afetadas, como também as condições de vida e sobrevivência. 

Sob a falsa justificativa de produtividade e eficiência, a classe trabalhadora (e as LGBTs, em especial) é exposta a mecanismos objetivos de superexploração, como a retirada de direitos e a escancarada mercantilização da vida (como saúde, educação, entre outros), assim como mecanismos ideológicos que sustentam a precarização e os mecanismos coercitivos de classe contra a classe. 

No tocante às LGBTs, os mecanismos objetivos e ideológicos, além de marginalizarem essa população dos setores produtivos, reacendem justificativas e culpas sobre essa parcela, como se fossem as únicas responsáveis por todos os problemas e desgraças existentes, numa tentativa de fragmentação da classe trabalhadora. Essa tática foi proveitosamente utilizada nas eleições de 2018, para a ascensão da extrema direita, assim como tática de cortina de fumaça utilizada nos anos decorrentes para mascarar as gravidades da agenda neoliberal. Num cenário de pandemia, as justificativas e culpabilizações voltam a recair sobre as LGBTs, como a “culpada” e pela representação da pandemia como uma espécie de “castigo divino” por essa população simplesmente existir.

Os números cotidianamente divulgados pela imprensa apontam as dimensões que esse projeto genocida já toma. Entretanto, uma coleta de dados mais aprofundada sobre a população LGBT se torna impossível por conta desse mesmo projeto de Estado, onde verifica-se que  mesmo o Censo Demográfico do IBGE, maior pesquisa do tipo realizada no país, encontra-se propositalmente esvaziado de recursos para ser realizado. Para além disso, dados sobre a população LGBT que antes eram disponibilizados em páginas e plataformas do governo federal passaram a ser retirados, tal como não existe nenhuma perspectiva de que o Censo (caso realizado) englobe uma análise demográfica com corte específico sobre a população LGBT brasileira.

Os poucos dados disponíveis são coletados por organizações como a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) que, em seu boletim nº 02/2020 apresenta um aumento consecutivo nos casos de assassinatos de pessoas trans em relação ao ano de 2019. Segundo o boletim, apenas nos dois primeiros meses do ano de 2020, o Brasil apresentou aumento de 90% no número de casos de assassinatos e, analisando o primeiro quadrimestre completo, o número de assassinatos de pessoas trans subiu 48%, ambos os dados em comparação aos mesmos períodos do ano passado. Por mais alarmantes de pareçam esses dados, sempre deve-se lembrar das limitações (inclusive financeiras) que as organizações possuem para estar promovendo coleta de dados, tal como a imensa subnotificação.

Dentre esses números, pode-se citar os assassinatos das jovens Keron Ravach e Pietra Valentina, de 14 e 16 anos respectivamente, ambas do Ceará, estando entre as vítimas mais jovens de assassinatos por transfobia no Brasil que se tem registro e, pensando nos números sobre LGBTs em geral, o assassinato do militante do Movimento dos Sem Terra (MST) Lindolfo Kosmaski. 

A situação brasileira não deixa de se relacionar com outras, do âmbito internacional. A exemplo disso, nas últimas semanas, é destaque os ataques de Israel contra a Palestina, em especial a Faixa de Gaza. Já se somam mais de trezentas pessoas feridas dos ataques aéreos na região da Cisjordânia, além de mais de cento e quarenta mortas, incluindo crianças, mulheres e jovens, além das incontáveis prisões arbitrárias. Somado a isso, junta-se os bombardeios, onde no último sábado (15), foram destruídos complexos residenciais e sedes de veículos de comunicação palestinos (notadamente a sede da Al Jazeera). 

Apesar da mídia hegemônica, braço fundamental do imperialismo norte-americano e de seus aliados, caracterizar esse momento como uma “escalada” da violência, faz-se imprescindível o caráter de denúncia de um genocídio já perpetuado há décadas pelo estado de Israel, com cumplicidade e interesses das mesmas forças imperialistas. Apesar da sua postura supostamente conciliatória na figura de Joe Biden – abraçado por setores centristas e liberais como uma figura “democrata”, incluindo aqui no Brasil -, o imperialismo norte-americano é peça chave na legitimação de tais atrocidades, além de ser o principal interessado no controle da região do Oriente Médio. 

Se, para tanto, é justificável o chamado novo apartheid contra a população palestina, além de uma defesa abstrata do direito de autodefesa de Israel, somado a jogos escusos das classes dominantes dos países chaves do Oriente Médio, servindo o Estado de Israel de “máquina pronta para o combate”, então deve-se, ainda mais, reforçar não somente o caráter de denúncia, mas destacar a Solidariedade Internacionalista para com a questão palestina, em especial as LGBTs.
Com isso, é válido relembrar que no ano de 2018, o Parlamento de Israel instituiu nacionalidade apenas ao povo judeu, deixando a margem em torno de 20% da população palestina-israelense de direitos básicos e da cidadania de Estado. Para as LGBTs palestinas, além de sua existência concreta ser negada perante a realidade que estão inseridas, a sua particularidade LGBT se torna um agravo frente as já existentes violações. 

Apesar da imagem vendida, a todo custo, de um Estado de Israel democrático, berço das liberdades em meio ao “retrógrado” Oriente Médio, que apoia a população LGBT, como já dizia Marx, é na práxis, na realidade concreta, que a verdade se apresenta. Frente a um extermínio declarado da população palestina, apoiado abertamente pelo imperialismo estadunidense e seus aliados, onde as LGBTs palestinas são violentadas de diferentes maneiras na sua existência concreta, a agenda LGBT se apresenta como puramente lucrativa e aparente, a fim de alinhar aos interesses do ocidente neoliberal, ao passo que mascara o genocídio, a violência, o apartheid, os campos de refugiados e outras ações contra as LGBTs palestinas.

Essa perpetuação da violência contra a classe trabalhadora é, infelizmente, realidade na maioria das periferias do sistema capitalista, promovendo cenas absurdas de violência que não deixam de se assemelhar, por serem frutos da mesma estrutura produtiva internacional, a exemplo da extrema proximidade entre o que ocorre na palestina, como citado acima, e a recente chacina ocorrida na comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro.

Diante do exposto, o Coletivo LGBT Comunista compreende a importância da data de hoje como um dia de luta das LGBTs da classe trabalhadora, mas que historicamente não representou uma data de ruptura na condição social responsável por promover a violência que sofremos na sociedade cindida em classes. Entendemos também que há uma urgente necessidade da organização das LGBTs da classe trabalhadora na construção de um programa revolucionário capaz de compreender as limitações e erros do Movimento LGBT ao longo da história, buscando superá-los através da construção do Poder Popular, rumo ao Socialismo. Nos posicionamos contrariamente ao projeto genocida do capital, e chamamos as LGBTs da classe trabalhadora para resistir, lutar e avançar contra as investidas fascistas e neoliberais!

Neste Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, o Coletivo LGBT Comunista reforça que a vida deve estar acima dos lucros!

Nem de bala, nem de fome, nem de COVID: QUEREMOS VIVER!

Coordenação Nacional do Coletivo LGBT Comunista

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